domingo, 27 de outubro de 2013

FILME "A ILHA"

Um recurso didático extraordinário para aula de Biologia relacionadas com a Biotecnologia e a Bioética.




A SÉTIMA ARTE E AS CIÊNCIAS

O Filme “A Ilha é uma ótima oportunidade de discutir sobre questões científicas, éticas, culturais e religiosas ligadas à clonagem humana já que o debate sobre a engenharia genética ganhou mais espaço a partir do nascimento, em 1996, de Dolly, o primeiro mamífero clonado. A ovelha morreu em fevereiro de 2003, mas as pesquisas e controvérsias em torno da clonagem estão apenas começando.

O Filme
O filme “A ILHA”, lançado em 2005, pelo diretor Michael Bay (mesmo diretor de Transformers), traz a história de pessoas que vivem em um grande complexo onde acreditam que sobreviveram a um suposto vírus mortal que atacou o planeta Terra. O único lugar que o vírus não pode chegar é um lugar paradisíaco chamado A ILHA, onde em certos momentos algum morador do complexo “ganha na loteria”, dando-lhe o direito de morar na “ilha”. Porém Lincom-Six-Echo (Ewan McGregor), um morador do complexo, descobre que “A ILHA” não existe. E ao conseguir fugir do complexo leva consigo sua amiga Jordan–Two-Delta (Scarlett Johansson), que seria a próxima  a ganhar o direito de ir para A Ilha. Os dois descobrem que na verdade são clones encomendados por seus “proprietários”, para quando necessitarem de “novos” órgão, por exemplo, tivessem a disposição.
Assim, o longa-metragem no gênero aventura nos leva a discutir vários assuntos relacionados à biotecnologia e à bioética.

Fazendo uma análise do filme
Entendendo-se o conhecimento científico como uma das fontes e formas de interpretar a realidade, o filme propicia aos alunos um diálogo entre diferentes formas de conhecimento, fazendo uma ponte entre ficção e realidade, fortalecendo a sala de aula como espaço de discussão e reflexão, entre elas:
- Quais valores são possíveis de perceber nos clones?
- Que fatores éticos o filme aborda?
- Como me posiciono sobre o transplante de órgãos a partir de clones, como retrata o filme?
- Que conceitos da genética e da biotecnologia podem ser abordados a partir do filme? 

.Enfim, '' A Ilha'' é um excelente recurso didático onde podemos debater diversas questões não apenas biológicas, mas também éticas acerca de uma assunto tão polêmico






FICHA TÉCNICA

Título Original: The Island.
Origem: 
Estados Unidos, 2005.
Direção: 
Michael Bay.
Roteiro: 
Alex Kurtzman, Roberto Orci e Caspian Tredwell-Owen, baseado em estória de Caspian Tredwell-Owen.
Produção: 
Michael Bay, Ian Bryce, Laurie MacDonald e Walter F. Parkes.
Fotografia: 
Mauro Fiore.
Edição: 
Roger Barton, Paul Rubell e Christian Wagner.
Música: 
Steve Jabonsky.

Site oficial: http:/www.ailhaofilme.com.br

sábado, 12 de outubro de 2013

OUTUBRO ROSA - SEMINÁRIO INTERDISCIPLINAR PARA CONTROLE DO CÂNCER DE MAMA: PROJETO IRACEMA

OUTUBRO ROSA NA UFC.

CONVITE:





O Ministério da Saúde dá início à campanha para conscientização das mulheres sobre a prevenção do câncer de mama, reforçando as ações do movimento Outubro Rosa. O movimento é internacional, criado nos Estados Unidos na década de 90 do século passado, chegando ao Brasil em 2002. Em qualquer lugar do mundo, a iluminação rosa é compreendida como a união dos povos pela saúde feminina. O rosa simboliza alerta às mulheres para que façam o auto-exame e, a partir dos 50 anos, a mamografia, diminuindo os riscos que aparecem nesta faixa etária.
Em Fortaleza, a Faculdade de Medicina da UFC, através do GEEON - Grupo de Educação e Estudos Oncológicos, lança o Projeto Iracema, cujo objetivo maior é estudar a população feminina para identificar a prevalência dos principais fatores de risco para câncer de mama e desenvolver atividades de rastreamento com mamografia, procedimentos complementares e divulgar informações que contribuem para a implementação de medidas efetivas de controle da doença, nos níveis primário e secundário.

Uma das iniciativas do Projeto Iracema é a orientação da população a desenvolver estratégias adequadas para lidar com situações de perdas no ciclo vital e mudança de hábitos de vida. O Projeto vai capacitar  equipes interdisciplinares para implantação de um amplo Programa de Controle e Prevenção do câncer de mama em Fortaleza e no interior do Estado.


sábado, 9 de março de 2013

CARTAS A UM JOVEM TERAPEUTA

RECOMENDO





Cartas a um Jovem Terapeuta (2004), escrito por Contardo Calligaris, que é psicanalista doutor em psicologia clínica (Université de Provence) e colunista da Folha de São Paulo. Italiano, hoje vive e clinica entre Nova York e São Paulo. O livro está dividido em 11 capítulos, distribuídos em 155 págs. e é voltado para todo o publico, e em seu livro apresenta uma série de cartas escritas por Ele, aos interessados ou iniciantes na área da psicoterapia. Considero um livro essencial para estudantes de psicologia.
O livro traz em seu conteúdo, duvidas de dois jovens em início de carreira, assim, elucidando os aspirantes sobre o perfil de um psicoterapeuta, como deve ser o setting, sobre a cura, o amor transferencial, etc.
Calligaris inicia seu livro dizendo sobre a vocação profissional, que para ser um bom psicoterapeuta, é útil que possua alguns traços de caráter ou de personalidade, que dificilmente podem ser adquiridos no decorrer da formação. Pois, se o psicoterapeuta espera gratidão de seus pacientes, esqueça. Nada de presentes no Natal, na Páscoa ou nas outras festas. Nas curas que proporciona, o psicoterapeuta é, por assim dizer, ele mesmo é o remédio. E, nos melhores dos casos, quando tudo dá certo, ele acaba exatamente como um remédio que a gente usou e que fez seu efeito e pronto, o remedio é esquecido. Que em regra, idealizamos nossos profissionais da saúde. Quando os consultamos, levando-lhes nossas dores, depositamos neles toda nossa confiança, porque imaginamos, supomos que eles saibam sobre nós e nossos males exatamente o que é preciso para que eles possam nos curar. É bem possível que essa confiança seja excessiva, mas, mesmo em seu excesso, ela é útil para que uma cura funcione.  A importância da confiança para que as curas funcionem, vale provavelmente para todas as profissões da saúde. E vale mais ainda no caso da psicoterapia.
 Há terapeutas que escolheram a profissão com uma boa dose daquela vontade de ser amado e admirado, talvez seja uma contra- indicação para o exercício da profissão. Calligaris confessar que alguns desses terapeutas podem ter sucesso com seus consultórios abarrotados, mas eles devem seu sucesso profissional ao amor e à admiração que nunca se esquecem de alimentar em seus pacientes, transformam-se em dependências químicas.
O traço de caráter Calligares resumiu: procuraria em quem pensa em ser terapeuta, se você sofre, se seus desejos são um pouco (ou mesmo muito) estranhos, se (graças à sua estranheza) você contempla com carinho e sem julgar (ou quase) a variedade das condutas humanas, se gosta da palavra e se não é animado pelo projeto de se tornar um notável de sua comunidade, amado e respeitado pela vida afora, então, bem-vindo ao clube: talvez a psicoterapia seja uma profissão para você.
Calligaris responde a 4 bilhetes sobre o inicio do trabalho do terapeuta, para pacientes escolher um terapeuta o importante é a confiança que se tem por ele, e não é relevante a aparencia ou até a opção sexual. Ele fala sobre pacientes que se deve ou não tratar, um grande analista francês, Jacques Lacan, que disse, durante uma supervisão, “que a gente não deveria oferecer tratamento aos parricidas”. Mas não explicou por quê. Ou seja, que cada terapeuta tem seus proprios limites para  oferecer análise.
 “Será que não deveríamos acrescentar, entre os traços de caráter esperados num terapeuta, uma vontade de mexer com a vida dos outros, de ensiná-los, influenciá-los?” A resposta é que a escolha da direção ou do caminho não deve ser decidida por uma norma, nem mesmo por uma sabedoria. E é por isso que uma terapia leva tempo, porque, antes de empurrar, é preciso que o desejo consiga se manifestar, assim, na hora de empurrar, o terapeuta, deve respeitar a direção apontada pelo desejo do paciente.
Sobre o primeiro paciente a muitas duvidas, sobre começar a atender e conseguir seu primeiro paciente, ou seja, mas quem escolherá um recem-formado como terapeuta ? Calligaris conta sua historia como conseguiu seu primeiro paciente e diz que a escolha de um terapeuta é sempre guiada por razões um pouco mais complexas e reveladoras do que o próprio paciente imagina. O mais simples talvez seja que nos contentemos em ser nós mesmos e salienta que a experiência certamente ajuda na conduta das curas, mas, seria bom que guardássemos sempre alguns elementos do espírito do debutante: a curiosidade, a vontade de escutar e, por que não, o calor de quem, a cada vez, acha extraordinário que alguém lhe faça confiança.
A confiança  traz os amores terapeuticos, vem da admiração, do respeito e, em geral, dos sentimentos que destinamos às pessoas a quem pedimos algum tipo de cura para nossos males. Calligaris comenta que esses afetos facilitam o trabalho do terapeuta e que, neste caso, espera-se que o encantamento se resolva, acabe um dia. Sem isso, a psicoterapia condenaria o paciente a uma eterna dependência afetiva.
A psicanálise deu a essa paixão um nome específico: amor de transferência. O termo sugere que o afeto, por mais que seja genuíno, sincero e, às vezes, brutal, teria sido “transferido”, transplantado ao terapeuta.
Esta situação de paixão transferencial leva a paciente a supor que seu terapeuta detenha o segredo ou algum segredo de sua vida. Ou seja, a paciente idealiza o terapeuta, e quem idealiza acaba se apaixonando. Calligaris conclui: o apaixonamento da paciente é um equívoco. E não é bom construir uma relação amorosa e sexual sobre um equívoco. Se paciente e terapeuta se juntar, a coisa, mais cedo ou mais tarde, produzirá, no mínimo, uma decepção e, freqüentemente, uma catástrofe emocional, pois a decepção virá de um lugar que pode ter sido idealizado além da conta. Pode acontecer uma vez na vida. Sabendo – se, que um verdadeiro encontro é muito raro, e é compreensível que um terapeuta não deixe passar a ocasião, mas a partir da segunda, a série é suficiente para provar que o terapeuta está precisando de terapia. É por isso, aliás, que é sempre bom que um terapeuta, de vez em quando, volte a ser paciente...
A formação segundo Calligares de um psicoterapeuta é o tratamento ao qual ele mesmo se submete, espera-se que, nesta experiência, o futuro terapeuta se depare com a complexidade de suas motivações, sintomas e fantasias conscientes e inconscientes e para não desprezar os estudos de psicologia ou de psiquiatria.
É indispensável que um psicoterapeuta tenha instrumentos diagnósticos para não confundir, sintomas de uma ou de outra. Na suspeita, é bom encaminhar o paciente para um check-up neurológico, vascular e endocrinológico. É útil que um psicoterapeuta conheça os princípios diagnósticos do Manual Estatístico Diagnóstico adotado pela Organização Mundial da Saúde, uma experiência efetiva e consistente com pacientes psicóticos, com toxicômanos e conhecer os princípios ativos dos remédios psicotrópicos. Espera-se também que, nesse emaranhado, o terapeuta escolha um fio e o percorra detalhadamente, lendo e estudando.
Curar ou não curar, Calligaris relata que um grande número de colegas psicanalistas acha estranho que, nestas cartas, fale de psicoterapia e de psicanálise como se fossem parentes próximos. Em princípio, eles certamente reconhecem que a psicanálise é a matriz mais importante que opere com as motivações conscientes e inconscientes de quem sofre. Mas não aceitam que a psicanálise seja uma psicoterapia, recusam a idéia de que o psicanalista se proponha a curar, de uma maneira ou de outra, o sofrimento de seus pacientes.
Em muitos casos, o paciente busca uma psicoterapia por um problema bem definido: um medo específico, uma ejaculação precoce, um pensamento obsessivo ou  uma difículdade de tomar uma decisão na vida.
Freud, por exemplo, recomendava que os psicanalistas não tivessem pressa de curar. Tentando imediatamente combater o sintoma ou ajudar na solução do dilema, o sintoma e o dilema apenas se deslocaram para outro lugar, o fato é que a pressa de curar e decidir são uma péssima conselheira.
Uma psicoterapia é uma experiência que transforma; pode-se sair dela sem o sofrimento do qual a gente se queixava inicialmente, mas ao custo de uma mudança. Na saída, não somos os mesmos sem dor; somos outros, diferentes.
Para Calligaris, os argumentos apresentados até aqui nos encorajam a redefinir o que é a cura que pode ser esperada de uma psicoterapia e sugerem que, justamente para curar direito, o psicoterapeuta não deve se apressar.
Essa discusão, Por que a psicanálise não seria uma terapia? Por que a idéia de curar o sofrimento psíquico se tornou objeto do escárnio de muitos psicanalistas? a uma razão histórica que começou no final dos anos 60, época triunfante da contracultura americana e do espírito do maio francês, em que a crítica e a revolta eram o único sinal verdadeiramente aceitável de “saúde” mental. Nascia o movimento antipsiquiátrico.
Nos anos 70 e 80, os psicanalistas americanos, por exemplo, queixavam-se de uma diminuição do número de pacientes e de candidatos e explicavam a penúria pelo fato de que talvez a psicanálise clássica fosse uma cura longa e trabalhosa demais. Uma geração revoltada, apaixonada pelas ciências humanas e ameaçada de desemprego estava entregue a furores abstratos; a psicanálise francesa respondeu perfeitamente ao mal-estar dessa geração, considerando a idéia de curar como anátema.
Calligaris se interessa pela psicanálise por sua capacidade de transformar as vidas e atenuar a dor. Ele diz que uma reserva diante da palavra “paciente”, é porque espera que todos sejamos impacientes com o sofrimento desnecessário que, eventualmente, estraga nossos dias. A psicanálise não se afastou de um projeto terapêutico; apenas passou a propor a todos, como cura, a chance de tornar-se psicanalista. Com isso, aliás, curou suas próprias finanças e qualquer crise de clientela. Lacan avançara seu entendimento do fim da análise também para polemizar com a idéia de que o fim de uma análise seria uma identificação com o analista.
Uma prática e uma disciplina têm seus dias contados se perdem o rumo de sua utilidade social para se preocuparem apenas com sua própria reprodução. Enfim, essa história contém lições que podem servaliosas para você, especificamente na hora em que se pergunta como estabelecer sua clínica. Seu primeiro compromisso não é com “a psicanálise” ou “a psicoterapia”, seu primeiro compromisso é com a comunidade na qual você presta serviços. E o compromisso é de prestar o melhor serviço possível.
“O que fazer para que mais pacientes cheguem até meu consultório?”. “Para estabelecer sua clínica, vale esta máxima: se seu compromisso for com os pacientes, não se preocupe, eles vão acabar sabendo”.
Calligaris revela que é um leitor obstinado. Os textos com os quais mais penou foram a Fenomenologia do espírito, de Hegel, e os Escritos, de Lacan. Eles me servem de referência: quando o esforço de leitura se aproxima do que eles exigiram de mim, é bom que o texto prometa um conteúdo de riqueza equivalente (o que é raro). Se não for o caso, passo adiante. Fora isso, há momentos em que um sólido senso de humor pode ser salutar para evitar as armadilhas transferenciais da obscuridade.
Você me pergunta se, no começo de uma cura, é bom dar alguma indicação ao paciente ou mesmo explicitar algumas regras. O pressuposto que justifica essa regra é o seguinte: no que a gente fala, opera uma lógica interna, que nós não percebemos. Quanto menor nossa intervenção na escolha e na organização do que falamos, tanto mais essa lógica interna poderá nos levar a dizer coisas inesperadas por nós mesmos, a descobrir algo que estava em nossos pensamentos sem que soubéssemos.  Aliás, geralmente, é logo quando tentamos policiar cuidadosamente nosso discurso que podemos cometer um lapso revelador. Agora, lembre-se do seguinte: de qualquer forma, as palavras sempre levarão seu paciente por terras imprevistas. Então, formular ou não a regra fundamental? Não perca muito tempo debruçando-se sobre essa questão. Decida você também “livremente”, ou seja, explicite a regra quando lhe parecer importante ajudar o paciente a ultrapassar seu pudor, sua vontade de se mostrar inteligente ou sua necessidade de construir explicações racionais. Mas cuide disto: enunciar a regra deve servir para autorizar o paciente a falar, não para obrigá-lo a falar do que você quer ouvir.
Há duas outras regras que o próprio Freud considerava com simpatia e que, um pouco esquecidas, talvez mereçam sua atenção. Ela pede ao paciente que, durante sua análise ou terapia, evite tomar decisões cruciais e irreversíveis na condução de sua vida. A regra é sábia, mas encontra alguns problemas. A segunda regra pede que o paciente se comprometa a não falar de sua terapia com os seus próximos, familiares e amigos. Pois, podem hostilizar a cura de um paciente, porque receiam que o tratamento modifique a relação que o paciente mantém com eles. E membros de um casal, se ambos ficassem calados, as palavras dos terapeutas poderiam mesmo surtir o efeito que ambos declaram desejar.
Segundo Calligaris a sugestão para o Setting é a seguinte: leia e cogite sobre essa questão, mas leve em conta que, como disse o próprio Freud, talvez a decisão possa depender simplesmente de uma questão de conforto, seu e de seu paciente. E referente a entrevista preliminar Ele prefere engajar com pacientes que pareça possível estabelecer uma aliança. Mas uma aliança diferente; é possível ser o aliado do desejo do paciente contra as razões pelas quais ele se impede de desejar. Há vozes que incomoda. Não sei bem por quê. Quero saber o que o paciente espera da terapia que começa. Ao contrário, a resposta, em geral, manifesta, sobretudo por quais caminhos o paciente está bem decidido a obstaculizar seu desejo. Pois bem, a uma maneira de medir o andamento de uma cura, consiste em repetir, regularmente, aquela pergunta inicial. Pois é freqüente que a resposta do paciente mude, que ele passe a esperar de sua terapia algo diferente do que ele esperava no começo. Quer seja porque se aproximou do que ele deseja mesmo e consegue pedi-lo (a si mesmo, ao terapeuta e à vida), quer seja porque achou novos caminhos, talvez menos penosos, de organizar sua fuga do que ele quer. De qualquer forma, a mudança da resposta me orienta.
Numa época, parecia que a duração das sessões fosse uma questão crucial, da qual dependiam o alcance e o sentido da cura. Hoje, minha fórmula preferida é um tempo variável, mas não breve, a sugestão é que invente uma maneira de atender que seja a sua.
Pois é, quem paga? Como? Quem trabalhava em ambulatório ou em outras instituições públicas, seus pacientes não pagavam. Às vezes, sonho com um sistema em que o paciente pagaria uma mensalidade fixa, e o número de sessões do mês seria variável, segundo o que pedem a cura e seu momento. Mas é uma utopia, afirma Calligaris. E a supervisão não deveria custar mais do que você ganha atendendo o paciente cujo caso você decidiu supervisionar.
Neste capitulo Ele opina sobre a disputa entre psicoterapia ou psicanálise de um lado e biopsiquiatria ou neurociências do outro é uma falsa disputa, quem alimenta essa oposição não conhece quase nada de psicoterapia ou psicanálise e sabe ainda menos de farmacologia e de neurociência. Porque a descrição neurocientífica de nossa atividade cerebral não altera nem um pouco as condições de nossa experiência. Uma coisa é a descrição científica de nós mesmos, outra coisa é nossa experiência.
Mesmo assim, você se pergunta: deveríamos sempre procurar na infância e só na infância as razões do sofrimento psíquico, mesmo que nosso paciente afirme o contrário? Explico melhor: não estou nada certo de que os acontecimentos da infância sejam de uma natureza diferente do que nos acontece hoje. Tampouco sei se é verdade que, pela receptividade de nossos primeiros anos, eles nos marcam com um ferro mais quente, que deixaria vestígios para a vida inteira.
Mas uma coisa sabe: qualquer evento nos marca e nos transforma só na repetição ou, melhor dito, num segundo momento, em que ele é evocado, retomado, revivido. Qualquer cura tem duas faces: uma, digamos assim, demolidora, que desfaz as certezas cristalizadas da história que nos acua em sintomas que, à vista de nosso passado, parecem inelutáveis, e outra, construtiva, que nos permite reinventar ou modificar um pouco a história da qual seríamos o fruto.
Duas razões, então, para que façamos o esforço de evocar o passado, em cada cura: para reinventar o sentido de uma história e para amenizar o peso do futuro, devolvendo assim, quem sabe, seu justo lugar ao presente de nossas vidas.
Você se queixa também de que alguns de seus pacientes parecem considerar que todos os seus males são, por assim dizer, resultados de causas externas. Essa distinção entre eventos externos e eventos internos, culpa da gente e culpa dos outros, alimenta um conflito infindável entre sociólogos e psicoterapeutas ou, às vezes, entre psicólogos sociais e psicólogos clínicos. No ringue, parece que se enfrentam dois lutadores; de um lado, os que acham que a personalidade e os sintomas são frutos da cultura, do emaranhado das relações e dos acidentes da vida, do outro, os que acham que personalidade e sintomas são frutos da dinâmica interna de impulsões, desejos e censuras que se originariam no fundo singular da alma.
Mas não esqueça que somos todos membros de algum grupo burocrático, assim como somos todos suficientemente narcisistas para deixar ao olhar dos outros o cuidado de decidir quem somos.
Você me pergunta: “Que mais você gostaria de me dizer, antes que a gente se separe?” Claro, há mais mil coisas das quais gostaria de lhe falar um pouco. De qualquer forma, como lembrava Freud, a gente nunca consegue transmitir o que sabe de melhor.
O importante, para mim, não é que os dolorosos sejam evitados; o importante é que todos sejam saborosos, ou seja, que topemos saboreá-los. Eles querem mudar, e você também, junto com eles, pode querer que eles mudem. Mas uma mudança não é coisa que possa ser imposta. Ela não virá da imposição do rigor abstrato da técnica que você aprendeu, do setting no qual você se formou ou da teoria com a qual você escolheu justificar suas palavras e seus atos terapêuticos. Ao contrário, para que uma mudança aconteça um dia, é preciso que uma relação comece; e uma relação só pode começar nas condições que são irrenunciáveis por seu paciente.

Marcelo Alves - psicólogo, graduado pelo Centro Universitário Hermínio Ometto - Uniararas

domingo, 20 de maio de 2012

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA E O ESTUDO DA PERSONALIDADE


ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA




INTRODUÇÃO

A disciplina de Teorias da personalidade tem como objetivo geral fazer conhecer aos alunos os aspectos básicos do estudo da personalidade para que seja possível identificar os principais conceitos teóricos não observáveis da personalidade, segundo as propostas de trabalho das diversas teorias existentes.
Sendo assim, sob a orientação do professor Felipe Jesuíno, assistimos ao filme “Ensaio sobre a cegueira” a fim de analisarmos a estrutura da personalidade da protagonista dentro dos conceitos que foram trabalhados em sala até o momento.

O QUE É PERSONALIDADE?

Personalidade deriva do latim - persona - que significava máscara, ou seja, aquilo que queremos parecer aos outros. Na Psicologia a Personalidade é uma organização dos vários sistemas físicos, fisiológicos, psíquicos e morais que se interligam, determinando o modo como o indivíduo se ajusta ao ambiente em que vive.
A Psicologia, dentro das diversas linhas de estudo, lançou mão deste conceito associando-o a uma série de outros que também eram utilizados para definir as particularidades da individualidade tais como caráter, índole (feitio) e temperamento.
Diante do que observamos e estudamos a personalidade é um elemento relativamente estável na conduta da pessoa, é o que nos torna únicos, diferentes de todos. A personalidade diz respeito a características pessoais e que suportam uma coerência interna. Sempre que nos referimos à personalidade referimo-nos aos sentimentos, emoções, pensamentos, atitudes, comportamentos, motivações, tomadas de decisões, projetos de vida, etc. Ela permite que nos reconheçamos e que sejamos reconhecidos pelos outros, representa uma fidelidade, uma continuidade de formas de estar e de ser.
No meu entendimento a personalidade é um conceito amplo e que permite uma multiplicidade de definições, tornando difícil construir uma só definição.
Um aspecto ficou claro para mim, a personalidade é uma construção pessoal que se faz ao longo da nossa vida, e uma elaboração da nossa história, da forma que sentimos e interiorizamos as nossas experiências, e com certeza acompanha e reflete a maturação psicológica.
Diante da construção da personalidade podemos afirmar que cada indivíduo tem sua história pessoal e esta é a unidade básica a ser levada em conta no estudo da personalidade.

ESTRUTURA DA PERSONALIDADE

Podemos identificar na personalidade os seguintes elementos:
- Traço – com base na bibliografia fornecida pelo professor,traço refere-se a consistência  da resposta individual a uma variedade de situações. É algo consistente e presente com muita frequência nas resposta do indivíduo.
- Hábito – são respostas que se repetem e que podem se tornar traços
- Tipo – corresponde ao conjunto de traços diferentes. O tipo apresenta-se de modo mais regular e generalizado.

Ao se estudar personalidade é necessário compreender o que um traço de personalidade. O traço é um aspecto do comportamento duradouro da pessoa, por exemplo: é a tendência de uma pessoa à sociabilidade ou ao isolamento; à desconfiança ou à confiança nos outros. Vejamos uma situação: o ato de lavar as mãos é um hábito, a higiene é um traço, pois implica em manter-se limpo regularmente escovando os dentes, tomando banho, trocando as roupas, etc. Pode-se dizer que a higiene é um traço da personalidade de uma pessoa depois que os hábitos de limpeza se arraigaram. O comportamento final de uma pessoa é o resultado de todos os seus traços de personalidade. Entendo que, o que diferencia uma pessoa da outra é a amplitude e intensidade com que cada traço é vivido.


O FILME




“ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA” conta a história de uma inédita epidemia de cegueira, inexplicável, que se abate sobre uma cidade não identificada. Tal "cegueira branca" - assim chamada, pois as pessoas infectadas passam a ver apenas uma superfície leitosa - manifesta-se primeiramente em um homem no trânsito e, lentamente, espalha-se pelo país. Aos poucos, todos acabam cegos e reduzidos a meros seres lutando por suas necessidades básicas, expondo seus instintos primários. À medida que os afetados pela epidemia são colocados em quarentena e os serviços do Estado começam a falhar, a trama segue a mulher de um médico, a única pessoa que não é afetada pela doença.
No livro que deu origem ao filme, o escritor português José Saramago, assim como no “A Caverna” quis destacar o fato de que todos nós estamos enclausurados nas cavernas da indiferença, do individualismo, da insensibilidade e assim de tudo da capacidade de ver alem dos olhos, de ver interiormente. Penso que este é o primeiro aspecto a se analisar no filme em estudo. A sociedade entra em colapso, os valores se perdem, a civilidade se vai.
A perda de visão ocular faz com que as pessoas me marginalizem, mas um grupo de internos tenta se organizar utilizando o bom senso, priorizando necessidades, princípios básicos de organização, e de solidariedade, o que não foi suficiente dentro do contexto.
O mais forte do filme são os mundos emocionais destacados através dos personagens principais. Ficou muito bem evidenciado a partir do caos que se instalou, que muito mais do que olhar, o que importa de verdade é enxergar o outro. Só dessa forma o homem poderá se humanizar novamente.

A ESPOSA DO OFTALMOLOGISTA – INTERPRETADA POR JULIANNE MOORE

Como já foi mencionado, o filme se desenrola em um abrigo do governo improvisado para as pessoas que ficaram cegas. Entre essas pessoas está uma mulher que não cega, a esposa do médico oftalmologista que fora encaminhado para o abrigo por ter desenvolvido a cegueira. Ela decide acompanhá-lo, fingindo-se de cega.
Chegando ao abrigo ela a princípio orienta e ajuda o marido, mas logo depois com a chegada de muitos outros cegos, ela passa a interferir diretamente na vida de todos de seu alojamento com orientações e ajuda básica de higiene, limpeza, alimentação e diálogo sem que eles saibam que ela tem a visão normal. Ao longo dos dias ela vivencia momentos de fome, dor, constrangimento, humilhação, violência física, sexual e moral.
A vida nesse abrigo torna-se uma catástrofe, uma situação sub humana se alastra em todos os lugares, no entanto ela suporta todo o sofrimento com altivez e lucidez.
Como podemos descrever a personalidade dessa mulher?
Alguns traços marcantes:
- Decidida e corajosa – quando toma a decisão de ir com o marido para o abrigo, quando se torna uma líder natural do grupo, quando decide matar o homem que a violentou sexualmente, quando assume a responsabilidade dos sete cegos restantes do seu grupo levando-os para sua casa.
- Obstinada – quando apesar de todos os medos ela continua a lutar pela sobrevivência dos companheiros.
- Companheira – ajudando a todos se maneira carinhosa e solidária
- Altiva – uma líder nata, com poder de decisão. Quando lidera o grupo para buscar alimento enfrentando os homens da outra ala e consegue sair do abrigo. Quando enfrenta saqueadores no supermercado, entre outras cenas.

Dentro do conceito de tipo, destaco a personagem em questão, como tendo uma personalidade do tipo guerreira. Em muitos momentos, em diversas situações foi possível identificar os traços de sua personalidade que conjugam para esse tipo.
Quanto ao estudo da personalidade os psicólogos empregam três categorias principais de conceitos motivacionais, sendo assim, observando a personalidade da esposa do médico podemos identificar:

- Motivos de prazer: a satisfação em cuidar do esposo, por isso ela o acompanhou ao abrigo. O companheirismo existente na relação entre ambos. A natureza dessa mulher como líder que é produz em si um prazer ao cuidar do outro.

- Motivos de crescimento: não percebi nas questões existências que afloram no abrigo, uma forma consciente de busca de crescimento pessoal. Mas é claro para mim que após uma experiência profunda como aquela é de se esperar que ela reformule seus valores e referenciais de vida.

- Motivos cognitivos: a situação na qual todos se encontravam era de dor e sacrifícios. Não fora uma experiência opcional, e sim uma tragédia na qual todos foram submetidos forçosamente. Na verdade observou-se uma degeneração dos valores humanos, uma não aplicação de tudo que fora aprendido na escola, na infância, com a família. Percebe-seno desenrolar das cenas que o arcabouço de informações cognitivas e emocionais naquelas pessoas não fora suficiente para suportar aquela dor. Muitos degeneraram, caíram no submundo da prostituição, da violência, da corrupção, da desonestidade.

Nesse contexto, perguntamos: por que ela, a esposa do médico não sucumbiu?
- Iniciemos com a motivação, a busca pela diminuição da dor.
Ela lutou incansavelmente pela sobrevivência dos companheiros, assim como pela melhoria da qualidade de vida naquele local. Penso que lutar pela sobrevivência a empurrou para frente, a sustentou durante todo o tempo. A esperança de melhoria ou de cura parece está implícita nas atitudes dela. percebe – se uma maior habilidade ao lidar com o ambiente,destacando-se o domínio sobre o mesmo.
- Partindo da divisão tradicional dos determinantes da personalidade, genéticos e ambientais, podemos fazer uma análise hipotética da formação da personalidade da mulher em questão.
Sabemos que os fatores genéticos determinam nossas características de maneira hereditária.  Esses fatores desempenham então um papel importantíssimo na formação biológica,psicológica e consequentemente comportamental no indivíduo. Assim a bagagem genética nos dá uma exclusividade peculiar.
A partir da leitura que fizemos com enfoque no estudo psicológico, vimos que há uma discordância no peso, na relevância que cada um dos fatores, ambientais e genéticos desempenha na determinação da personalidade. No entanto acreditamos na consonância de ambos. Assim penso que a personagem do filme possui uma bagagem genética que determinou os seus traços e tipo de personalidade ao se defrontar com as adversidades do meio.
A história de vida dessa mulher deve ter contribuído também para a formação dessa personalidade, mas esse ponto não foi evidenciado no filme, o não nos permite fazer nenhuma abordagem. A cultura tem um valor determinante na formação da personalidade. Cada cultura tem os seus próprios padrões que funcionam com referenciais institucionais de comportamento.  Assim cada grupo apresenta determinados traços de comportamento comum aos integrantes. Sabendo a cultura na qual a mulher em estudo, no filme, poderíamos esboçar um perfil de sua personalidade.
Não conhecemos a família, outro fator ambiental na qual ela foi criada, desta forma não poderemos saber a influência familiar exercida sobre a mesma. Mas sabemos que pais afetuosos, amorosos ou grosseiros e hostis, assim como superprotetores, influenciarão de forma diferente na formação dessa personalidade. Interferindo na construção da autonomia, do conceito de liberdade, nas relações interpessoais desse adulto.
Assim, podemos dizer que os fatores genéticos associados a esses últimos determinam a elaboração da personalidade de um indivíduo ao longo de sua vida. No caso da mulher, podemos discutir que ela possui um patrimônio genético que a tornou competente diante do ambiente.

Márcia Helena Sales

PRINCESA MONONOKE E O ESTUDO ANTROPOLÓGICO DAS RELIGIÕES

PRINCESA MONOKE




INTRODUÇÃO

O filme Princesa Mononoke foi escolhido pelo professor Felipe Jesuino para que fizéssemos um estudo acerca dos estágios da religião com base nas idéias de Comte, filósofo que viveu entre o final do século XVIII e a metade do século XIX e que construiu o pensamento positivista.
No filme o príncipe do vilarejo dos Emishi, é infectado por um deus possuído de um mal que lhe causará a morte caso não encontre a cura. Para encontrá-la, o príncipe decide fazer uma viagem que o levará a uma batalha entre os deuses, animais da floresta, liderados por uma garota chamada San, a Princesa Mononoke e por habitantes de uma vila de mineiros, que estão aos poucos acabando com a floresta.
O filme é uma fábula bem interessante, pois além de animar literalmente os personagens, nos leva a reflexão sobre cuidado, respeito, sistemas de crenças e sacralidade.
No nosso caso, faremos um estudo sobre crenças religiosas, sagrado, profano, e contemporaneidade dentro do enredo do filme fazendo um paralelo com as idéias de Comte.

CRENÇAS RELIGIOSAS

Durante toda a história da humanidade as crenças estiveram presentes, na verdade sempre foi a religiosidade que uniu povos e determinou a vida das comunidades. A religião sempre teve muito poder sobre a vida e a morte, inclusive com extremo determinismo. A vida sempre influenciada por um Deus que exigia obediência e devoção foi traçada por convicções profundas que são repassadas gerações após gerações.
Hoje apesar de muitas mudanças, de avanços nas muitas áreas do conhecimento, do avanço tecnológico, as crenças religiosas ainda norteiam a conduta e a vida de muitos povos. Histórias e lutas foram travadas a partir de crenças entorno de uma ideologia religiosa. Assim, percebemos que a conduta e o desenrolar da vida estão intimamente ligados às crenças do indivíduo e da família.
No filme Princesa Mononoke, percebemos que durante todo o desenrolar da história há um cenário de crenças, mitos, e marcadamente a sacralidade.
No inicio do filme quando o Príncipe Ashitaka sobe em um observatório da aldeia e pergunta ao Monge Jigo e se ele viu algo, ele responde “vi, não é humano”. Aqui há a crença em algo divino, algo sobre natural, espiritual. Há a crença em algo com força maior. Outro fato observado, é que a medida que o Tatari-gami (deus da maldição) se aproxima, a floresta vai morrendo, como se ele estive imbuído de uma força negativa muito forte. O deus-Javali segundo o filme é um dos protetores da floresta. Mas algo aconteceu que enfureceu e dominou o deus-Javali tornando-o um monstro um Tatari-gami. Nessa cena é evidente o animismo, a presença de divindades nos animais, na natureza, nos elementos da natureza.
Na cena em que o javali Nago é indagado pelo príncipe Ashitaka
- “Oh, Deus guardião da floresta cujo nome desconheço, diga o porquê de sua fúria!”  Aqui se vê o respeito pela divindade, não importando qual ela seja. Isso só é possível se houver crença em algo superior e uma boa percepção do sagrado.
Em outra cena, quando a anciã em um ritual, pergunta ao príncipe se ele está disposto a cumprir o seu destino. A crença em um destino, que todos temos uma missão, é uma visão mística da vida. E ainda, quando ele responde à anciã dizendo: “sim, eu decidi isso no momento em que deixei minha fecha voar” Aqui ele deixa clara a crença na lei de causa e efeito. Ele flechou uma entidade sagrada o Deus-Javali e isso não passaria impune. Na verdade ao entrar em contato com o deus enfurecido, ele se contaminou do mal.

DIMENSÃO SAGRADA E COMO ISSO É VALORIZADO

Entendemos que a dimensão sagrada é percebida nas atitudes cotidianas, no dia a dia, nas relações com a vida e com o próprio sagrado.
No filme, podemos citar várias cenas onde o respeito à sacralidade, a submissão a entidades divinas são bem evidentes.
Na cena na qual a anciã vai ao socorro do príncipe e se dirige ao mostro, o reverencia e diz: “Oh Deus enfurecido, desconhecido por nós, eu humildemente o saúdo! Nós ergueremos um altar, onde você caiu e o honraremos.” Mesmo o Deus-Javali sendo algo ruim, destruidor e que tendo machucado o príncipe, é evidente o respeito a algo maior e o respeito às regras vigentes no mundo da espiritualidade. E mais ainda, em respeito ao que o monstro representa, a entidade divina será honrada e respeitada.
Na mesma cena vemos que a anciã compreende a fúria do Deus-Javali, quando ela diz: “esqueça sua fúria e fique em paz.”
Mais tarde em outra cena quando o príncipe Ashitaka pede permissão aos seres elementais da floresta para passar por dentro dela. Ele diz: “Perdoe-nos, mas precisamos passar por sua floresta.” Percebe-se o respeito à natureza e aos seres que a protegem.  Depois do pedido feito, os seres elementais os seguem e os guiam. Aqui está evidenciado, uma possível convivência entre os humanos e a natureza, diante do respeito destinado a esta.

FORMAS DE CONDUTA ORGANIZADAS EM TORNO DAS CRENÇAS RELIGIOSAS
Partindo do conceito amplo de religião, como sendo a crença na existência de forças sobrenaturais ou em um ser ou mais de um ser sobre-humano, com o qual o homem tem relação, vimos na aldeia do Príncipe Ashitaka um conjunto de regras incorporadas naturalmente destinadas à sacralidade. A postura dos moradores da aldeia geração após geração, sempre respeitando a sabedoria dos mais velhos, a prática ritualística de buscar respostas lendo os sinais dados pelas pedras, as chamas acesas, a submissão aos mitos são condutas que foram transmitidas ao longo do tempo, com o objetivo de manter a tradição e o respeito aquilo que é sagrado.
E ainda na mesma cena quando Ashitaka corta seu cabelo e reverencia o sagrado, pois vai partir em viagem para o Oeste, a anciã diz: “as leis nos proíbem de vê-lo partir. Vá em paz.” Mais uma vez nessa aldeia, é possível perceber nitidamente condutas em respeito ao sagrado, ao divino: obediência, reverência, subordinação, respeito ao que foi determinado.
A princesa Mononoke, morando na floresta, pois fora criada por lobos, desenvolveu a comunhão com os moradores da floresta e uma aversão aos humanos, pois sua experiência mostrava que esses eram inconfiáveis, traidores, ambiciosos e destruidores da floresta. Aqui a princesa tem uma conduta essencialmente dentro do animismo, onde as forças da natureza exercem grande poder. Muitas vezes por não compreender como esses fenômenos acontecem, ganharam créditos de deuses, com todos os direitos de reverência e devoção e assim foi o caso da princesa Mononoke.
Quando o príncipe foi ferido a princesa levou-o a um lago e entregou-o aos cuidados da natureza. Deixou-o no lago para que o Deus Shishi-game decidisse a vida dele. Sua ferida cicatrizou ao toque do Deus, ou seja, sua vida foi poupada com disse a princesa Mononoke. A princesa acreditava na floresta e a defendia com fervor. Sua conduta era de total zelo e devoção aos que lhe acolheram e criaram. Ela não se sentia humana e sim loba, pois é filha da deusa lobo Moro.
Na cidade de Tatara-ba a situação era bem diferente. Eboshi, a líder era pragmática e cética. Não acreditava em deuses, em seres elementais. Desmatava a floresta em busca de riquezas, de recursos materiais, em busca de minérios. Na cidade havia uma refinaria de ferro, produzindo aço e armas. Ela, a líder Eboshi era obstinada, lutadora e justa para com os seus. No entanto quem atrapalhasse seu trabalho, suas escavações, a exploração de minério, morreria como os javalis morreram. Eboshi não respeitava as divindades, não considerava sua existência. Para ela isso era bobagem, miragem, alucinação.
Na cidade de Tatara-ba, tudo era bem organizado, havia divisão de trabalho, boa produtividade, respeito à hieraquia, mas não havia sacralidade. Na verdade havia uma pobreza filosófica, própria do positivismo. Em várias cenas percebe-se o respeito que ela destinava aos moradores. Ela havia dado melhores condições de vida às mulheres. Todos na cidade a admiravam e a defendiam. Mas também se vê o interesse maior na riqueza e na prosperidade econômica.

COMUNIDADE MORAL ORGANIZADA EM TORNO DOS SISTEMAS DE CRENÇAS RELIGIOSAS

Se considerarmos comunidade moral como sendo o lugar onde a questão filosófica se põe, no caso do filme temos dois eixos de pesquisa. Um pela racionalidade, aquele que pensa, e o outro pela sensibilidade. E ai outra questão surge: “quem são os membros da comunidade moral?”
No entanto segundo diversos pesquisadores a questão da comunidade moral deve ser estendida aos animais irracionais, visto que eles merecem respeito e sentem dor. É bem verdade que cada filósofo leva em consideração seus argumentos para defender suas idéias sobre ética e respeito.
No filme, como se trata de uma fábula a comunidade moral com certeza já foi estendida na medida em que o filme foi pensado.
No vilarejo do príncipe Ashitaka, a comunidade moral é todo o ambiente da aldeia, a floresta e seus habitantes. Temos então no animismo o respeito à vida acima de tudo, aos deuses, a natureza, aos elementos que compõe a natureza e aos seres vivos de modo geral.
Na Cidade de Tatara-ba o pensamento filosófico imperante é o positivismo, onde não há respeito aos fenômenos naturais, onde há um notável avanço tecnológico, um avanço das riquezas, um relativo conforto, e uma exploração dos recursos naturais. Dentro da cidade há respeito as leis criadas por eles, os habitantes humanos, aos racionais.Aqui a comunidade moral é outra,visto que a filosofia vigente também é outra.

AS FASES DE DESENVOLVIMENTO RELIGIOSO SEGUNDO E O FILME

Comte teve uma vida muito conturbada em todos os aspectos, inclusive suas idéias muitas vezes foram rejeitadas pela comunidade científica. Mas apesar de toda a adversidade deixou uma grande contribuição para as ciências e para o mundo, o pensamento positivista.
Segundo Comte, as religiões podem ser divididas em três grandes grupos, levando em consideração a evolução do pensamento humano, a evolução da própria religião. Para ele a humanidade avançava e partir do avanço do pensamento humano, da evolução das concepções intelectuais do homem, formulou Lei dos Três Estados: o “estado fictício” ou “teológico”, o “estado metafísico” ou “abstrato” e o “estado científico ou positivo”.
No primeiro estado é onde encontramos o feitchismo, o animismo muito presentes no filme em questão. É o estágio em que o homem não conhece claramente a natureza, como ela funciona e então projeto sobre a mesma poderes sobrenaturais. Na aldeia do príncipe Ashitaka, nas cenas em torno da anciã com o príncipe e com o deus-Javali, estão presentes o primeiro estágio de desenvolvimento religioso.
Na floresta no momento em que a princesa Mononoke busca a cura para o príncipe, no qual ela entrega o corpo dele aos cuidados da floresta e também aos cuidados do deus Shishi-game, para decidir sobre a vida dele. Vemos uma interação entre dois estágios de desenvolvimento religioso, o animista quando ela crê na natureza e em seus elementos e o segundo estágio, o metafísico, quando ela também crê em um deus que não está entre nós. Um deus superior, onipotente.
No final do filme, quando San e Ashitaka acordam na relva e observam o verde a brotar da floresta, San diz que mesmo que a floresta renasça, ela não será mais a floresta de Shishi-game, pois ele está morto. Ashitaka responde dizendo que não, “pois ele não pode morrer, já que ele é a própria vida e morte.” Aqui temos duas crenças diferentes. A primeira, onde San coloca Shishi-game no estágio animista, como parte da floresta e a crença de Ashitaka que coloca o deus acima do bem e do mal, da vida e da morte, distante do ser humano,em um outro plano, um pensamento metafísico.
Quando temos o aparecimento da ciência, da experimentação, do desenvolvimento dos conceitos científicos, do pensamento humano, surge o terceiro estágio religioso. Este, segundo Comte, seria o fruto da industrialização, da ciência, onde o homem se liberta do estado metafísico, das crenças. Aqui a filosofia e a religião são substituídas pela ciência, pelo pensamento positivista, por um conjunto de regras morais puramente racionais.
No filme, este estágio está explícito na cidade de Tatara-ba, onde o que importa é o avanço das descobertas de minério, o conforto gerado por ele. Percebe-se um sistema moral de comportamento na cidade, entre as pessoas, mas não passa de um regime racional, que substituiu a religião.
Mas algo acontece na cidade de Tatara-ba, a ambição de Jigo em busca da cabeça do deus Shishi-game destrói quase tudo e todos. No entanto Ashitaka e San devolvem a cabeça do deus enfurecido e esse reconsidera a destruição. O verde dos campos e floresta renascem e a vida continua. No entanto Eboshi perdera seu braço na luta contra os samurais que queriam tomar a cidade. Nessa luta contra Jigo e os samurais, as forças – o príncipe Ashitaka, San a princesa Mononoke, as mulheres, os agricultores e mineradores e Eboshi - se uniram em busca de uma salvação para todos. A ambição deixou de ser o mais importante e algo novo surge no mundo daquela líder pragmática e cética. Eboshi fora salva pelos lobos, estes que muito sofreram de ataques de balas produzidas na cidade da líder machucada. Ela então decidiu recomeçar de modo bem diferente. Ela diz: “pessoal, vamos começar tudo novamente. Construiremos uma boa vila dessa vez!”
Ashitaka foi morar na cidade, que agora terá um novo rumo segundo palavras de sua líder. Aqui vimos que a ausência de sacralidade no cotidiano do povo de Tatara-ba levou a destruição, vimos que somente os valores morais da sociedade não foram suficientes para livrar a cidade do grande mal.
Na luta pela sobrevivência os três estágios de desenvolvimento da religiosidade se uniram em busca de uma solução. Não importando o pensamento filosófico sobre as divindades, o desejo de equilibrar tudo, de salvar a todos, trouxe o “perdão” do deus Shishi-game.

O FILME, A CONTEMPORANEIDADE E AS VARIEDADES DA VIDA RELIGIOSA

Fazendo uma analogia entre o filme e a nossa vida atual, onde a valorização dos bens de consumo, dos referenciais humanos externos são mais importantes que os internos, onde a natureza é posta de lado, podemos fazer um link ao filme tomando a cidade de Tatara-ba como base de estudo. Na cidade em questão há ausência de uma filosofia religiosa e uma valorização dos bens materiais, da busca da riqueza, sem levar em consideração o mal causado à natureza.
Assim como foi feito pela cidade Tatara-ba, hoje temos um planeta poluído, recursos naturais escassos, doenças infecto-contagiosas disseminadas pelas cidades e pelo meio rural, como conseqüência de atitudes individualistas e voltadas para o extremo consumo e benefício de minorias.
No filme nas ultimas cenas, onde a vida corre risco de extinção, onde a natureza morre, devido a ambição, ao egoísmo, ao desrespeito ao sagrado, a desvalorização do bem comum, podemos afirmar que algo muito semelhante ocorre nos dias atuais em nosso planeta.  A vida animal e vegetal está em declínio, o aumento de desmatamentos de florestas para a pecuária e agricultura, a erosão de solos causada pelo homem em busca de riquezas minerais, todos esses fatos são exemplos de atitudes ambiciosas da humanidade destruindo um bem comum que é o planeta, o local apropriado para a vida e que nas últimas décadas vem sofrendo mutilação.
Se o homem valorizasse um pouco a dimensão sagrada das coisas, ele não seria a espécie suicida que se tornou.
Como educadora e bióloga acredito ser a humanidade a causadora de muitos fenômenos catastróficos que vem ocorrendo em diversas partes do planeta. A grande variação climática da atmosfera da Terra, das águas oceânicas, tem como causa principal segundo estudos, a poluição atmosférica. Esta com confirmação é oriundo do consumo exagerado, do uso de combustíveis fósseis e de uso indiscriminado de recursos naturais.
Assim defendo a idéia de que deveríamos optar pelo consumo consciente, pelo o que chamamos de consumo verde.
No filme, na cidade de Tatara-ba a ambição, a industrialização, o consumo também foram os responsáveis pela quase destruição do mundo. Essa só não ocorreu por que todos imbuídos da salvação, se reuniram, deixando de lado questões individuais, e lutaram pelo bem comum.

Márcia Helena Araújo Sales

CINEMA & PSICANÁLISE

Beleza americana: o mito do sonho americano


José Antônio Araújo *

Círculo Psicanalítico da Bahia





RESUMO

Filme que retrata a vida e a destruição de uma família da classe média americana, através da narrativa feita pelo seu personagem central, Lester Bunham, marido da estereotipada mulher, Carolyn, e pai de uma filha única adolescente. Carolyn representa a frivolidade da sua existência cultivando uma imagem onde o lema que ela adota do seu ídolo, o "Rei dos Imóveis", é: "Para ter sucesso, deve-se projetar uma imagem de sucesso o tempo todo". Além disso, Carolyn cultivava em seu jardim, a rosa que dá o título do filme, rosa a qual não tem espinho nem cheiro, uma perfeita metáfora sobre o vazio do americano comum.
Lester desperta a sua subjetividade, decide virar a mesa, joga tudo para o alto e muda radicalmente de vida. Só que o faz desajeitadamente. Todos desejam matá-lo e isso, já prenunciado pelo mesmo nas primeiras cenas, acontece no final. É a queda do mito do sonho americano, do "american way of life"

Palavras-chave: Sonho American, Mitos, Sucesso, Simulacro, Destruição.


Este filme foi lançado em 1999. Ganhou 5 Oscars: melhor filme; melhor diretor (Sam Mendes), cidadão britânico, tendo sido este o seu primeiro filme, já que até então só havia dirigido peças teatrais; melhor ator(Kevin Spacey); melhor roteiro original e melhor fotografia. Teve, além disso, três outras indicações para: melhor atriz(Annette Bening), melhor montagem e melhor trilha sonora.

Curiosamente, apesar de tratar-se de uma crítica contundente ao american way of life este filme é um dos preferidos do público americano, tendo estado entre os 10 mais do IMDB - Internet Movie Database por um longo período. Estranho, não é? Acho que o público americano mais uma vez ficou na superficialidade, não entendeu que a cada minuto do filme, novas revelações são feitas e o "sonho americano" é destruído tijolo por tijolo.

Vamos tentar ir mais fundo na nossa análise e atender o convite do cartaz do filme: "Look closer", Olhe bem de perto.



DO FILME
Todos os personagens parecem reais e vão se encaixando perfeitamente no desenrolar da trama. No entanto, Lester, magnificamente desempenhado por Kevin Spacey, é quem prende mais a nossa atenção, e eu diria mesmo que chegamos a nos identificar com ele, ou pelo menos vamos nutrir pelo próprio uma certa admiração. É por isso que vamos deter a nossa análise principalmente nesse personagem.

É preciso ter coragem para sair de uma situação de gozo incitada pela sociedade e partir para uma situação do sujeito desejante, mesmo que desajeitadamente como Lester faz, levando-o até a sua morte, cujo sentido analisaremos adiante. Porém, o que ele faz bem, e não conseguimos ignorar isso, é romper com essa falta que sentia ter dentro de si mesmo, uma falta e um sofrimento que muitos sentem e não têm coragem para assumir diante da sociedade. Esta, cheia de rótulos, um deles tão bem expresso pelo almofadinha Buddy Kane, perfeitamente caracterizado por Peter Gallagher, "o Rei dos imóveis", e totalmente absorvido por Carolyn: " Para ter sucesso, deve-se projetar uma imagem de sucesso o tempo todo". É a sociedade que valoriza sobretudo a imagem, o simulacro, a aparência. Lester decide virar a mesa, joga tudo para o alto e muda radicalmente sua vida. Dá as costas para o seu chefe insuportável, largando o emprego(quem nunca teve vontade de fazer isso?), desperta seu amor próprio retomando uma rotina de exercícios físicos, aceita seu lado rebelde e começa a fumar maconha, e ainda tenta seduzir a amiga da filha.

Coitada ela também, a estonteante ninfeta Mena, vendia uma imagem falsa de uma experimentada amante, uma fantasia desfeita na hora da relação sexual com Lester quando ela confessa que aquela seria a sua primeira vez.

Recordemos as primeiras cenas do filme: uma vista aérea de um típico bairro da classe média americana, com casas perfeitas, bem construídas e a voz em off de Lester dizendo, a medida que a câmara vai fechando:

" Meu nome é Lester Burham. Este é o meu bairro. Esta é a minha rua. Esta é a minha vida. Tenho 42 anos. Em menos de um ano estarei morto. É claro que ainda não sei disso. De certa forma já estou morto". Após levantar-se, vai tomar banho. Masturba-se e a voz em off aparece novamente para dizer: "Este é o melhor momento do meu dia".

Lá fora, Carolyn tratava e colhia as suas rosas, as belezas americanas que dão nome ao filme. Este tipo de rosa é muito cultivada nos EEUU e tem uma peculiaridade: ela não possui espinhos nem cheiro. Uma perfeita metáfora sobre o vazio do americano comum.

Lester pede para que observássemos que não era por acaso que as sandálias que Carolyn usava combinavam com o cabo da tesoura de jardim... Ela era capaz de tudo para manter as aparências.

A história da família Burham é a da própria destruição do ideal americano de quem tem uma casa bonita, com uma cozinha ampla, eletrodomésticos, decoração impecável com um sofá de seda italiana, limpa, num bairro bonito, o carro do ano. Uma família assim, aparentemente perfeita, só pode ser feliz. Mas, ali ninguém é feliz, porque no fundo a família inteira é uma falsidade de sentimentos. Na verdade esta família nem existe mais, ela já ruiu. Expressiva a cena do jantar formal, insípida, com "música de elevador ao fundo".

No carro, enquanto Lester adormece no banco traseiro, novamente a voz em off diz: "Elas (a mulher e a filha) acham que eu sou um perdedor e estão certas. Eu perdi algo. Não sei exatamente o que. Mas sabem de uma coisa: nunca é tarde para recomeçar".

Voltemos agora à questão da morte de Lester. Por detrás do seu assassinato cometido pelo Coronel Fitts, podemos explorar um outro significado da sua morte. Vamos fazer uma comparação entre a morte de Lester e o mito de Édipo. Este, ao casar-se com a sua mãe Jocasta, torna-se símbolo da adversidade do povo tebano. Vê-se obrigado a purificá-lo através de seu próprio sacrifício, ou seja, através do seu desterro e da sua própria morte. Esta morte serve como hipotético elemento de uma certa reestruturação da ordem social.

Beleza Americana assenta também nos mesmos axiomas que a tragédia de Édipo Rei. Aqui o desequilíbrio é causado pela ruína de um casamento regido pela superficialidade, por valores extrínsecos impostos pela sociedade. O equilíbrio é devolvido pela morte, pelo sacrifício do nosso herói Lester - Édipo que se recusa a viver a farsa. Sacrifício este formalmente celebrado pelo epítome da hipocrisia da sociedade americana, o Coronel Fitts. A morte de Lester representa, na sua beleza trágica, a mesma de Édipo, na morte do herói que purifica um povo. A grande diferença, é que aqui o nosso herói não é monarca, ele não simboliza o sacrifício de uma classe superior para salvar o seu povo. Aqui, ela é perversa e assume a forma de um de nós, de um cidadão normal, de um vizinho nosso.

Em Édipo o casamento trouxe a tragédia; em Beleza Americana a queda do casamento reencontrou essa mesma tragédia. Édipo conhece sua origem de uma maneira equivocada("méconnaît), julgando-se filho de Pólipo e Mérope, mas ao mesmo tempo põe a sua história em cena. Essa é uma vertente importante da questão do saber inconsciente para a psicanálise: é justamente essa dimensão de uma história censurada, esquecida, recalcada, excluída da consciência do sujeito, mas que, todavia, é determinante de seus atos que dá contornos característicos ao que chamamos inconsciente.

Lester traz em si um enigma: quem era ele? Sabia que não era aquilo que os outros queriam que ele devia aparentar ser. Tal qual Édipo ele questiona a sua origem, o seu papel, e deixa-se atravessar pelo mito do sonho americano, experienciando-o.



DO MITO

Primeiramente vamos discorrer um pouco sobre o significado da palavra, o que se entende por mito. Hoje em dia ela é justamente empregada como algo que se opõe à verdade, à certeza, à exatidão científica, sendo, portanto, sinônimo de falso, de crença ou superstição, de engano - em suma, de algo que deve ser descartado em prol da razão, de um conhecimento voraz e profundo. Mýthoi em grego significa fábula. Platão já reprovava as fábulas, os relatos fantasiosos de Homero, de Hesíodo e de outros poetas na defesa do discurso racional, filosófico e, portanto, mais verdadeiro.

Em "A Interpretação dos Sonhos"(1900), obra fundante do método psicanalítico, o mito figura como uma fonte ímpar de reflexão e inspiração para Freud elaborar suas teorias acerca do funcionamento psíquico. Aristóteles nos chamou a atenção da ambigüidade em que está imerso o significante mýthos na língua grega. Ao mesmo tempo em que o termo se refere a uma fabulação, a um relato, a uma estória, ele também concerne ao arranjo desses fatos fabulosos. Ou seja, o mito, segundo esse filósofo, não é algo somente da ordem do significado, do conteúdo, mas igualmente diz respeito a como esse significado se constrói, a uma lógica que preside à articulação significante.

Somos confrontados por questões que gravitam em torno das origens, do sujeito, do mundo, do sujeito no mundo. Disso se ocupam os mitos, a psicanálise e a História. Sobre o conceito desta última, Walter Benjamim escreveu:

"... O passado traz consigo um índice misterioso, que o impele à redenção. Pois não somos tocados por um sopro do ar que foi respirado antes? Não existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozes que emudeceram?... Se assim é, existe um encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a nossa..."


DO MITO ORIGINAL AMERICANO

Os EEUU foram a primeira nação do mundo que se edificou com base na razão e não no espírito guerreiro. Isto foi em 1776, quando as treze pequenas nações coloniais decidiram-se agir no interesse comum, emancipando-se da Inglaterra, sem desconsiderar os interesses particulares de cada uma delas. Esta é a base da democracia, do sonho americano: o reconhecimento e aceitação do outro e de seus direitos. Supõe a aceitação ao mesmo tempo da igualdade e da diferença, de uma igualdade enriquecida pela diferença. Na Declaração de Independência, redigida por Thomas Jefferson e outros, logo no início, podemos ler:

"Todos os seres humanos nascem iguais e são dotados pelo Criador dos mesmos direitos inalienáveis: a vida, a liberdade, a procura da felicidade".


O GRANDE SELO

Vamos agora analisar o mito do Grande Selo- The Great Seal (contido na nota de um dólar americano a partir de 1935 - Roosevelt como Presidente)

"In God We Trust" - Em Deus Nós Confiamos.

Esse Deus era um Deus da razão, não dissociado da mente humana. A razão coloca você em contato com Deus. Todos os homens são dotados de razão. Esse é o princípio fundamental da democracia. Como toda mente é capaz de adquirir um conhecimento verdadeiro, não é preciso que uma autoridade especial, ou uma revelação especial, lhe diga como as coisas deveriam ser. "The Great Seal" - O Grande Selo. Estabelecido em 20.06.1782.

Há uma infinidade de símbolos e de significados esotéricos a seu respeito. Não podemos esquecer que uma boa parte dos fundadores da nação americana eram maçons. Um deles é o seguinte:

A pirâmide tem quatro lados. São os quatro pontos cardeais. Há alguém neste ponto, alguém naquele, alguém naquele outro. Localizando-se perto da base da pirâmide, a pessoa estará de um lado ou de outro, mas quando se chega ao topo, ao vértice, os pontos se reúnem em um só e então o olho de Deus se abre. Há por cima da pirâmide os raios que iluminam, um símbolo heráldico que significa a Glória. A pirâmide foi desenhada com treze estratos.

"Annuit Coeptis" (13 letras)- Ele(Deus) sorriu às nossas realizações.

"Novus Ordo Seculorum" - Nova Ordem nos Tempos(no Mundo).

A Europa encontrava-se dizimada em guerra. É o que representa o terreno atrás da pirâmide, o caos, o deserto. Contrariamente, a prosperidade é representada pela vegetação à frente da pirâmide, o Estado recém criado em nome da razão, não em nome do poder, e o resultado é o florescimento de uma nova vida.

"A Águia da Cabeça Branca".

É o maior pássaro existente nos EEUU e representa a liberdade.

Na sua garra direita a águia tem um ramo de oliveira (os louros da paz) contendo treze folhas, para onde ela olha. É desse modo que os idealistas, fundadores dos EEUU, gostariam que o seu povo olhasse, mantendo a diplomacia como a base de suas relações com as outras nações do mundo. Mas, a águia mantém treze flechas na outra garra, no caso de os louros não funcionarem, ou seja, estavam prontos a se defender. Isto foi baseado nos dizeres "Bello vel Pace Paratus" - Preparados para a Guerra e para a Paz.

No seu peito, um escudo de defesa contendo seis listas vermelhas e sete brancas, perfazendo um total de treze.

No seu bico, a Águia segura uma fita com os dizeres "E Pluribus Unum"(contém também treze letras) que significa No Meio de Muitos, Apenas Um(Out of Many, One)

Acima de sua cabeça, uma constelação contendo treze estrelas, uma outra alusão clara às treze colônias. Esta constelação é iluminada por raios que atravessam uma nuvem, representando também a Glória.

No seu discurso de despedida, George Washington disse:

"Como resultado de nossa revolução, libertamo-nos de qualquer envolvimento com o caos da Europa".

Sua última palavra foi no sentido de que a sua nação não se engajasse em alianças internacionais intervencionistas. Esse seu desejo foi mantido até a Primeira Grande Guerra, quando os EEUU desconhecendo a sua Declaração da Independência, reuniu-se à Inglaterra no propósito de conquistar o planeta. Politicamente, historicamente, os EEUU são agora membros de um dos lados da disputa. Não representam mais aquele princípio do olho lá em cima. Todas as suas preocupações têm a ver com militarismo, conquistas imperiais, economia e política, e não com a voz e o som da razão.

Pergunta rápida: com Bush, para que lado a águia está olhando?


CONCLUSÃO

Na primeira parte da nossa exposição, correspondente à análise do filme, vimos o esgarçamento do tecido social norte americano, representado pelas famílias Burham e Fitts. Trata-se da negação do mito, ou melhor dizendo, a imposição de um mito que não se sustenta. Prevalece o discurso capitalista que impõe, ampara e legitima a sociedade de consumo, a qual aliena e oprime o sujeito.

Na segunda parte, resgatamos a essência do mito originário, o ideal americano tão bem engendrado por Thomas Jefferson, Georges Washington e outros. Se este mito ainda estivesse vivo, aí sim, daí poderiam eventualmente(não obrigatoriamente) emergir o self made man, o american dream, o american way of life.

Uma grande curiosidade foi despertada em mim e não encontrei resposta: porque hoje o americano tem tanta ojeriza ao número treze?


BIBLIOGRAFIA

AZEVEDO, Ana Maria Vicentini Ferreira de. Mito e Psicanálise Jorge Zahar Editor Ltda. Rio de Janeiro, 2004
CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito - Entrevistas com Bill Moyers. Editora Palas Athena. São Paulo, 2000
CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. Editora Pensamento-Cultrix Ltda. São Paulo, 2002
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. Editora Perspectiva S.A. São Paulo, 2002



* Aluno concluinte do Curso Básico de Teoria Psicanalítica do Círculo Psicanalítico da Bahia. Trabalho apresentado em 17 de agosto de 2005, por ocasião da 2ª Semana de Cinema e Psicanálise, cujo tema foi O Homem e Seus Mitos: Uma Visão Psicanalítica